quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Crónica do Desporto que passa

Um dos elementos que admira é a má constituição das instituições públicas e em que o Tribunal de Contas, o Ministério das Finanças ou a Reforma Administrativa se alguma vez actuam, fazem-no de forma inconsistente.

O Desporto contou ao longo dos anos com medidas contraditórias que se observava não estarem a funcionar e que a política e a sua concepção passava à margem do sector e dos benefícios para a população.

Uma das questões fulcrais foi a das infraestruturas desportivas.

A história já vem de longe e à medida que os fundos comunitários se tornaram mais relevantes mais o desporto nunca encontrou o pé.

Em meados de noventa do século passado Portugal começou a compreender a forma de ir buscar à União Europeia meios para as infraestruturas desportivas e foi realizado um programa com um nome onde tinha 'Desporto Século XXI' o qual enquadrou a construção dos estádios do Euro 2004 e que consistia na proposta de construção de instalações de acordo com a preocupação dos presidentes das federações desportivas.

A ideia inicial quando fiz um documento interno com esse nome era um programa estrutural e de longo prazo do qual a SED da altura usou apenas o nome.

A questão das infraestruturas é relevante na política desportiva europeia e mundial e depois da vitória no Mundial de 1991 os eventos eram outra forma de canalizar rendas para as federações e clubes, a que se juntava agora a construção de infraestruturas que permitiam também novas rendas.

Os clubes de futebol queixavam-se da idade dos estádios, houve um acidente grave no José Alvalade, com feridos graves, havia a dívida ao fisco e segurança social que estava a ser pago pelo Totobola, a FPF avançou para o Euro2004 e as outras modalidades para outros eventos europeus e mundiais tendo ou não atletas para vencerem essas competições.

Houve problemas nos eventos sofrendo as federações por assumirem projectos muito acima das suas capacidades e quanto às infraestruturas as autarquias foram chamadas para garantirem meios obrigatórios por parte da UE e se encarregarem da gestão posterior qualquer que ela fosse.

Para além da construção e oferta dos espaços de prática os projectos de infraestruturas e eventos visavam a obtenção de rendas financeiras e a construção de infraestruturas desportivas que ficavam para além da prática desportiva que se conseguia fazer.

Nenhum programa de longo prazo foi concebido e a orgânica do desporto e as suas instituições foram esvaziadas de duas formas:

  1. a Secretaria de Estado do Desporto passou a servir-se do IDP como amanuense jurídico e multibanco, esta última na correcta definição de Manuel Brito, esvaziando as funções de concepção, preparação, estudo de políticas desportivas, produção estatística, programa de desenvolvimento desportivo, entre outras. Depois de Mirandela da Costa os Ministros do Desporto e os Secretários de Estado passaram a ter medo da sombra do Presidente da agência técnica e para além da nomeação de  líderes impreparados trataram de esvaziar a instituição não perspectivando que com esse acto era a decapitação técnica da instituição e da política pública desportiva que era perpetrada.
  2. o QREN retira ao desporto e ao IDP a existência de um departamento de concepção da integração da rede de infraestruturas impedindo o desporto de alguma vez ter uma compreensão por inteiro de um plano de investimento em infraestruturas desportivas com impacto directo no desenvolvimento sustentado. Sem estudos, análises e estatísticas na área onde se investiram milhares de milhões de euros (quem sabe o que se fez?) as infraestruturas foram atiradas pelo país segundo perspectivas particulares que nunca foram postas no papel e publicadas para escrutínio social dos actos públicos. Acabados os fundos para o desporto(?) a realidade do QREN pode ser apelidada de negligente.
Para se compreender a racionalidade da Administração Pública diga-se que há quatro ou cinco anos a orgânica do IDP não tinha um departamento de infraestruturas, o que até era lógico porque havia o QREN para onde tinham sido externalizadas as funções de investimento em infraestruturas desportivas. Mas depois a orgânica foi emendada e o departamento das infraestruturas lá apareceu duplicando(?) as funções do QREN.

Isto para dizer que o Estado português tem um historial de criação orgânica de coisas que se fazem conforme sopra o vento na melhor das hipóteses. Não são aleatórias mas possuirão vantagens definidas pelo curto prazo e por interesses que não são concebidas segundo o interesse público e desportivo.

É neste panorama que se vai debater no Parlamento a fusão do Desporto e da Juventude:
  1. um desporto que tem um mercado falido e que obriga há décadas as organizações privadas a actuações de risco e a valorizar a obtenção de rendas financeiras acima dos resultados desportivos e sociais e da dimensão económica material.
  2. uma administração pública 'irracional' que não sabe de desporto e principalmente não procura que o desporto tenha orgânicas e funções que maximizem o bem-estar social nacional e tantas vezes precipita  um sector como o desporto em tragédias comuns ditadas pela manutenção da apropriação de rendas de segmentos exteriores ao interesse desportivo e nacional.
  3. um parlamento com dois partidos e mais quatro partidos que se destacam pouco pelas suas propostas historicamente relevantes para o desenvolvimento desportivo sustentado e pelo envolvimento desportivo e social da população portuguesa.
  4. atletas da canoagem sequiosos de uma classificação olímpica e uma nova selecção de sub-20 treinada por um ex-treinador das camadas jovens do Futebol Clube do Porto que chega à final do campeonato do mundo em Bogotá, na Colômbia, demonstrando que em Portugal a produção de desporto de excelência é viável.

Há um facto incontornável no desporto português:
  1. A responsabilidade do desenvolvimento sustentado da produção desportiva para benefício e bem-estar da população portuguesa, equivalente à média europeia, é uma responsabilidade do Estado português:  Governos, Parlamento, Partidos, Ministérios e outras instituições públicas.
  2. Não é uma responsabilidade das organizações privadas, quer associativas, quer empresariais, mesmo que o produto desportivo privado tenha uma relevância incontornável para o consumo desportivo de Portugal alcançar a média europeia.
  3. Também deve ser possível analisar até que ponto é responsabilidade das autarquias.
Há interesse em focar bem o factor de ineficiência do modelo desportivo português. 
O órgão que concebe os objectivos, equaciona os instrumentos e aplica a política desportiva nacional é o Estado.

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